O cineasta português tinha 106 anos. Era o realizador mais velho do mundo ainda em atividade. O derradeiro filme, O Velho do Restelo, estreou-se em dezembro de 2014 na comemoração do último aniversário.
Era a fazer filmes que descansava.
Manoel Cândido Pinto de Oliveira nasceu no Porto a 11 de dezembro de
1908. Entre curtas e longas-metragens, realizou mais de 40 filmes até ao
fim da vida.
Para além da longevidade e atividade que lhe era admirada no mundo do cinema, Manoel de Oliveira mudou a forma de olhar e conceber o cinema como outros grandes do século XX.
“Quando deixar de filmar, deixo de respirar”
A história da sua vida confunde-se inevitavelmente com a história do cinema português. No ano em que nasceu, D. W. Grifith iniciava-se no cinema. A infância e juventude de Manoel de Oliveira acontece numa época de ouro para o cinema mudo: O próprio Grifith, Vertov, Pudovkin e claro, Eisentsein.
Mas não foi no cinema que Manoel pela primeira vez ganhou notoriedade. Desportista em várias modalidades, desde as corridas de automóveis à natação e ao atletismo, foi atleta do Sport Clube do Porto.
O cinema, todavia, sempre o acompanhou. Depois de uma breve passagem pela carreira de ator, nomeadamente em A Canção de Lisboa (1993) realizou o primeiro filme ainda antes, aos 23 anos. O documentário Douro, Faina Fluvial (1931), inspirado na cidade natal e idealizado depois de ter assistido ao filme "Berlim, Sinfonia de uma Capital" (Walther Ruttmann, 1927), conta a vida em redor de um rio que estaria presente nos vários trabalhos que se seguiram.
Em todas as obras, o realismo e a objetividade são as bandeiras principais. Para Manoel, o cinema era contar a história, o mundo segundo a perspetiva de determinada época. Como realizador durante mais de oitenta anos, Manoel de Oliveira veio contando Portugal desde os períodos antes de ditadura, o Estado Novo, a democracia e os anos mais recentes.
O cinema era a sua maneira de refletir o passado e o presente, nunca o futuro. A evolução histórica que andou de mão dada com a própria evolução do cinema: das primeiras curtas de caráter mais documental, do cinema mudo, aos avanços que foi obrigado a fazer de forma a acompanhar os tempos.
Tempo e dinheiroApesar dos longos 106, Manoel de Oliveira pedia mais tempo para fazer mais e melhor. Quando via um antigo trabalho, ficava sempre com a sensação que “poderia ter feito melhor”.
E o tempo não lhe chegou para fazer tudo o que queria, para realizar todas as ideias: "Tenho uma vontade enorme de filmar e fico muito triste se o não puder fazer. O tempo passa excessivamente depressa", confessava numa entrevista à Visão, em 2008.
O contexto político também o obrigou a enviesar as mensagens transmitidas. A vida de realizador durante a ditadura não foi fácil e Manoel chegou mesmo a ser preso pela PIDE.
Dinheiro e meios também lhe faltaram durante essa época, à medida que o cinema comercial se distanciava das suas técnicas e linguagens cinematográficas. Os longos planos, travellings e movimentos de câmara, os diálogos lentos e complexos. Um cinema difícil e muito distante das obras e dos temas que começaram a dominar os circuitos comerciais. Mas era de propósito - Manoel de Oliveira tinha aversão à moda - evitava temas, atores ou qualquer elemento que pudesse destacar algo que não o filme como tal.
Mas com o reconhecimento, sobretudo internacional, vieram a tempo para que Manoel conseguisse fazer com maior segurança tudo o que queria fazer: realizar até ao fim da vida.
Prémios e ReconhecimentoManoel Oliveira não gostava de prémios. Não queria ver a sua individualidade sobreposta a outras, até porque no cinema, ao contrário de uma competição desportiva, não era possível medir quem chegava primeiro, quem era melhor. No cinema, cada subjetividade valia por si.
Gostava sim do reconhecimento, das distinções dos prémios de carreira, de ver um filme seu compreendido. E recebeu várias, nos mais variados festivais e certames do cinema mundial: Cannes, Veneza, Berlinale, São Paulo, Tóquio e, por fim, Portugal.
A noticia da morte esta quinta-feira preenche as páginas da imprensa de todo o mundo, uma prova real desse prestigio que ia muito para além da idade. O alemão Die Zeit destaca que muitos críticos de cinema o colocavam "ao nível de Luis Buñuel, Jean-Luc Godard ou Frederico Fellini". Do Le Monde, chama-o de "um dos criadores mais originais da história do cinema".
Por altura do centenário do realizador, em 2008, o New York Times dedicava um artigo à sua singularidade e denominava Manoel de Oliveira de "uma força da natureza, um caso especial", com filmes "pensativos, melancólicos, com qualidades memento mori".